Existem poucas coisas que eu considero verdadeiramente importantes ou interessantes para o entendimento das pessoas e das sociedades. Quem por aqui anda sabe que muito do que eu escrevo é entender as postulações de Jonathan Haidt ou as descobertas de Damásio, entender papers que são publicados sobre os pathways neurológicos e sua projeção nas ideologias... e uma mão cheia mais. O resto é palha, sobre palha e resulta no essencial dessas coisas que atrás mencionei e que são “as importantes”.
Uma da menos mencionada é a Affect Theory.
E este é um post difícil. Difícil porque não existe degraus onde me apoiar. Mas vou tentar:
Quando pessoas me dizem, e é mais frequente do que se pensaria “…mas e qual era a solução?” a minha resposta por default é "aprende Affect Theory e vamos obrigar o mundo a viver lá”
“Affect” em português é confundido com afetos mas não é esse o conceito na língua inglesa. “Affect” vem de efeitos ao nível emocional mas não propriamente emoção, pelo menos não como nós a descrevemos ou a interpretamos no dia a dia.
Quando observo jovens de tenra idade, especialmente nas imagens do meio académico que nos estão acessíveis, ou seja em vídeos do mundo anglo-saxónico e especialmente nos vídeos do Youtube das parcas e quando raramente autorizadas aparições de conservadores nas universidades americanas, como Ben Shapiro, ou charlie kirk, candice Owen, etc. é a forma como os jovens que os interpelam nos Q&A argumentam de forma bastante ensaiada, não quero dizer bastante instrumentalizada, porque eles conseguem alinhar argumentos como valores performativos, mas definitivamente valores que resultam de longas elaborações abstratas e que não estão enraizadas, aquelas coisa que se "dizia assentes na terra" mas sim falando em abstrações racionais que se nota foram alvo de extensas sessões de trabalho na sua elaboração . - Quer isto dizer que me fica a sensação que estou perante pessoas, jovens, que são deficientes cognitivos porque cognitivamente não se nota nada “affect” na conversa que estão a ter. É essa ausencia de "affect reasoning" que faz com que seja tão frequente eles ficarem sem palavras, confusos e emocionalmente incomodados.
Aliás foi a ver esse tipo de atuação que mais me ficou a certeza que muitos dos problemas que hoje temos no mundo tem concretamente a ver com essa ausência do “affect”, essa ausência de vida real, de vivência de experiências que forma as pessoas no mundo real. - Acho mesmo que a cura do mundo e das suas maleitas pseudomodernas era essa. Obrigar as pessoas ter uma vivência em “affect” e como tal tudo derivaria daí.
Começando: “What is affect in neuroscience?”
"Via this modulation, affect is an intrinsic part of sensory experience, not a separate cognitive function that is later performed on sensations. As a result, affect is an intrinsic property in all psychological phenomena that result from so-called “cognitive” processes (such as consciousness, language, and memory)."
Não que goste desta definição porque é confusa.
Em resumo Affect theory postulava que se não alicerçares e suportares tudo o que emana dos humanos nas componentes “affect” não conseguias fazer sentido verdadeiramente da posição que te era transmitida. Quando Jonathan Haidt escreveu o Livro "the happiness Hypothesis" e no livro colocam na capa um elefante com uma pequena silhueta em cima é uma representação de que aquilo que está subjacente ao modo como verdadeiramente vives a vida e interpretas a realidade não está totalmente sob o teu controlo. Não é racional.
Mas, muito irritado. o leitor pergunta: que é isso? – Affect são os outros 50% (70%?) do modo como tu vives a vida porque é o que resulta do teu sistema límbico e meso-límbico, dessas estruturas no teu cérebro que são ativadas antes de fazeres qualquer sentido delas e que depois passam para outras regiões do cérebro para gerar, por exemplo, linguagem que o descreva ou racionalizações que te façam sentido. - Assim é aquilo que tu sentes em 30 milissegundos, 100 milissegundos (piscar de olhos), coisas que se te perguntarem não consegues descrever se for detalhe mas que se for algo que te mostraram nesses 30 milissegundos o teu cérebro viu, registou e reagiu mas que não sabes que ele viu. O cérebro vê coisas em milissegundos que é impossível tu “veres”, mas viu! E é essa vivência que a Affect Theory tentava postular como imperativo ao mundo. Se te perguntarem o que estava lá, o que era, quantos, como tu vais responder que não fazes a mínima ideia…mas o teu cérebro viu ou se não era algo de ver sentiu ou associou e criou um mecanismo de instintivamente o incorporares nos segundos ou horas seguintes.- Isso é Affect, Irá afectar tudo o que fizeres e disseres a seguir … e tu nem sabes que o teu cérebro registou.
Ora onde nos leva isso? Deixem-me ser claro. Nada no mundo de hoje tem valor se não for gerado em linguagem. Em conteúdo, em narrativa, em asserção racional, em parametrização teórica e abstrata. – Foi este o mundo que vingou e não o mundo que a “Affect theory” nos tentou alertar tinha que estar na origem do que é importante dizeres ou fazeres.
Lembrar que a Affect Theory vinha acoplada ao mais subalternizado livro da história recente, o “Erro de Descarte” do nosso Antonio Damásio. A “Affect theory” encontrou nos ensaios de António Damásio a justificação neuro-cognitiva para aquilo que muita gente sentia que era o mundo a derivar, a desviar, para uma senda que não era alicerçada no mundo real, nas vivências das pessoas.
E que dizia o nosso António Damásio sobre as pessoas que tinham lesões nos nódulos neurológicos ligados aos “Affect” como VMPFC e o OFC?! : Parecias normal, continuavas inteligente mas depois todas as decisões que tomavas eram disparatadas.
Vivemos num mundo em que toda a gente parece racional, até inteligente, tanto que não notamos que provavelmente estamos perante pessoas com problemas cognitivos graves e que o resultado serão decisões que serão desastrosas. - Este é o mundo em que pessoas com subutilização do VMPFC impera.
A “affect theory” não vingou. Muito assente no “Radical empiricism” e com os seus protagonistas ainda vivos e na maioria um bocado confusos (porque subalterniza a linguagem) nas suas abordagens não se conseguiu impor no mundo das narrativas e kayfabes.
Teve os seus 15 minutos de atenção nos anos 90 e morreu praticamente. Exatamente o mesmo que aconteceu com o Erro de Descartes do nosso António Damásio. Aliás, hoje em dia existem referencias à “Affect theory” nas coisas mais disparatas, até nas “gender studies” mas no essencial já ninguém liga ao core tenet que a suportava.
Mas sim, a “grande cura do mundo” deste mundo que parece correr para o precipício a carregar no acelerador como se fosse o filme da “Thelma & Louise”, seria um movimento de “Affect theory” como solução política.