Primo, que te traz? - II
Segunda tentativa. E não será a última.
A importância de clarificar quem eram e como surgiram os Yamnaya é inegável. Eles mudaram o mundo, e não apenas a Europa. A sua genética é encontrada desde Portugal até partes da Ásia Central e na Índia. Se considerarmos as ex-colónias europeias, então estão presentes em todo o mundo.
Quando entrei nesta discussão, em 2015, tudo parecia uma grande brincadeira para um leigo como eu. Tudo era composto por acrónimos estranhíssimos (P312/S116, L21/S145/M529, U152/S28…), haplogrupos, sub-clades e culturas indecifráveis (Maykop, Lepenski Vir, Cultura Khvalynsk), conceitos que não fazem sentido para muita gente.
Em 2015, as discussões giravam em torno das posições arqueológicas da lituana Maria Gimbutas, com a sua teoria dos Kurgan, em oposição a hipóteses como a teoria Anatoliana de Colin Renfrew. Estas últimas eram completamente descartadas e até ridicularizadas. Nada era aceitável que não fosse a teoria dos Kurgan como origem dos Indo-Europeus, aqueles que falavam PIE (proto-Indo-Europeu), a origem de todas as nossas línguas, desde o alemão ao português, passando pelo lusitano, celta, sânscrito, arménio, etc.
Muitas pessoas não percebem que a origem de todas estas línguas tem de vir de um lugar específico, de um grupo muito pequeno de pessoas, uma cultura única que falava PIE e que inventou os nomes basilares da nossa vida há mais de 6-7 mil anos. Os linguistas conseguem recuar no tempo e determinar o tipo de lugar onde viviam e como era o seu modo de vida. Os nomes ligados à agricultura vêm todos deste pequeno grupo, agricultor complexo e pastorício e que habitava um local com rios e montanhas, entre outros elementos geográficos. Perceber como é que esse grupo, os seus descendentes com todos os subsequentes admixtures genéticos, vieram a dominar o mundo era (é) o Santo Graal.
Indexado a isto estava também a questão de quem era o pai dos europeus. Sim, aquela ideia de que 80% dos europeus descenderem de um único homem que viveu não há tanto tempo assim. Na verdade, as discussões eram sobre o haplogrupo R1b, depois R1b contra R1a. Mais tarde, já não se debatia sobre R1b (porque a coalescência dessa mutação tem 20 mil anos), mas sim sobre onde estaria o M269 (avô), e depois o L23 (pai). Por fim, hoje em dia, tenta-se encontrar o L51, o “pai” de todos os europeus, que terá vivido há 5300 anos! Porque, na verdade, a mutação só acontece uma vez e, se todos temos (80% dos europeus) essa mutação, então vem de um único homem. Curiosamente, por mais que se procure, nos Yamnaya não se encontra o L51. Mas encontra-se o seu irmão, o Z2103 (ambos "filhos" do L23). Hoje em dia, outro dos irmãos adquiriu importância o R-V1636 por aparecer muitas vezes nos lugares certos.
Duas coisas eram dogma em 2015. Uma era que as montanhas do Cáucaso eram intransponíveis e a outra que os Yamnaya eram a fonte do admixture genético das estepes que todos nós na Europa possuímos. Mas então como explicar a existência das línguas anatolianas (hitita, palaico, lício, lídio, etc.) na Idade do Bronze? Uma coisa os linguistas tinham claro: o anatólio era indo-europeu, mas tinha sofrido um “branch-out” milhares de anos antes das línguas acima descritas. Mas era heresia dizer que não tinham vindo das estepes também! Heresia.
Ora bem, onde entro eu? No meio de toda essa piada, decidi que eu é que ia descobrir qual o “Urheimat”, o ponto essencial dos europeus!
Li, li, li. Assisti a debates infindáveis sobre Maykop ou as culturas dos Balcãs. Vi verdadeiras violências verbais a quem não aceitasse que os Yamnaya eram praticamente EHG puros (Eastern Hunter-Gatherers), primos mais ou menos próximos dos WHG (Western Hunter-Gatherers), representados pelos homens de Khvalynsk, lá para o meio do rio Volga na Rússia em 4400 a.C. E ai de quem se atrevesse a falar do Levante ou do sul do Cáucaso, verdadeira feridas tribais – Levava com ofensas do pior!
Imaginem como fui recebido quando disse: "Não, vocês estão todos errados. Essa tanga das estepes ou do sul do Cáucaso ou Levante… não diz nada." Levantei o dedo e disse: "O Urheimat dos europeus eram os Shulaveri-Shomu!" --- QUEM!?
Um bocado por culpa minha por ter criado demasiado derivadas nas minhas asserções iniciais, mas a verdade é que o nível de verborreia contra mim, de ser expulso, cancelado, perdido a acesso a fóruns foi tão grande que passado algo como um ano ou dois eu já tinha desistido. Também porque alguns dos papers entretanto publicados eram devastadores para aquilo que era a minha teoria a minha Shulaverian Hypothesis.
Ser considerado um idiota maluco foi uma experiencia interessante para mim.
Foi por essa altura, 2016/2017 que as técnicas de extração de ADN melhoraram imenso e lá para Harvard no laboratório de David Reich ou no Max Planck de Johannes Krauser os indivíduos sequenciados, as ossadas, começaram a sair em catadupa, uns atrás dos outros e com tanto “coverage” que já não era conseguir extrair Y-DNA a grande medida de sucesso, mas estava-se a conseguir extrair BAM files cheios de ADN autossoma que permitia comparações aos genoma total dos indivíduos sequenciados.
Para vocês verem como as coisas são - Já sem eu prestar muita atenção um dia uma imagem de um quadro com uns rabiscos por detrás de David Reich durante uma entrevista mostra uma seta do sul do Cáucaso para o norte do Cáucaso. – O choque que aquilo foi e o barulho durante meses.
Não muito depois uma outra imagem de um slide de Johannes Krauser mostra claramente o movimento de pessoas do sul do Cáucaso para o norte do Cáucaso com a data de 4900BC que era a data que eu usava para referenciar o desaparecimento dos Shulaveri e logo a sua dispersão inclusive para o norte do Cáucaso onde teriam formado a etnogéneses dos Yamnaya.
Algo se estava a passar. Eu reapareci e comecei simplesmente a colocar nos blogs da especialidade a letra da musica de Bob Marley Bad Boys!:
“Bad boys,bad boys whatcha gonna do whatcha gonna do?
When they come for you?Bad boys bad boys whatcha gonna do?
Whatcha gonna do whatcha gonna do when Shulaveri come for you?”