Ideologias do futuro do passado
Quando os registos da verdade deixam de ser físicos e tudo se torna digital, quando as respostas a perguntas sobre fatos nos são transmitidas em forma de narrativa universal e aprovada, passamos do mundo de Orwell para algo além.
"And if all others accepted the lie which the Party imposed—if all records told the same tale—then the lie passed into history and became truth. 'Who controls the past,' ran the Party slogan, 'controls the future: who controls the present controls the past.'"
Não se iludam. Em quem depositamos a esperança de manter a sanidade histórica e evitar reconstruções orwellianas que representam não realidades do passado, mas ideologias do futuro, especialmente quando a inteligência artificial está envolvida?
Poucos duvidam do que está por vir. As pessoas precisam ter noção do perigo que a inteligência artificial representa, pois em breve ninguém saberá distinguir verdade de mentira.
Como sabem, para refutar algumas das narrativas sobre a escravatura, especialmente as provenientes dos americanos, frequentemente recorro ao caso de Sah Quah. Este caso não é apenas formativo na lei americana, mas também destrói completamente a narrativa oficial ocidental sobre a escravatura.
Recentemente, recorri ao ChatGPT para verificar algo sobre o qual não tinha certeza e acabei envolvido numa troca de argumentos interminável. O ChatGPT insistia que Sah Quah, um nativo americano que ainda era escravo 20 anos após o fim da escravatura nos EUA, era mantido escravo por um capitão russo chamado Alexei Baranov, e não por Na-ki-Klan, um também nativo. Inacreditável.
Por mais referências que eu apresentasse mostrando que Na-ki-Klan era nativo, o ChatGPT reconhecia minha confusão, mas afirmava que Na-ki-Klan era o capitão russo, conforme citado por "várias fontes e textos académicos." Quando insisti para que me desse um exemplo de um desses textos, a inteligência artificial não conseguiu apresentar um único, porque obviamente não existe!
A conversa terminou onde começou. A narrativa nunca mudou, apesar das minhas tentativas de direcioná-la para os relatos da época.
Mais curioso ainda, bem mais curioso:
Voltei a colocar a questão ontem e apesar de ter mudado de tom, reparem como tenta perverter a verdade. Aliás até diz que Sah Quah era uma mulher (?!). Parece inclusive reconhecer que já tinha tido uma interação comigo e tenta reconhecer confusões passadas nas conversas que já terá tido comigo o que eu não sabia ser o caso e confesso que me preocupa que guarde essas informações porque claramente viola o direito da privacidade (não que eu queira saber, mas). Sah Quah nada tinha a ver com Russos, ou Americanos. Isto é tudo bizarro.
O caso de Sah Quah é muito simples: Um escravo índio, propriedade de outro índio, 20 anos após o fim da escravatura era possível porque a lei americana reconhecia o direito dos povos nativos de manter as suas tradições. Com o caso de Sah Quah a lei mudou porque esse reconhecimento tinha que ter limites e a escravatura era um desses limites.
Mas vejam a resposta parva do GPT, mesmo hoje em dia e já sendo GPT4:
in the case of Sah Quah who was Na-ki-Klan?
ChatGPT
Enfim, isso não vai acabar bem.